A guitarra vermelha

por Onevair Ferrari em 27.04.2015

Há alguns anos, meu filho mais novo, no início de sua adolescência, me pediu que lhe comprasse uma guitarra. Eu lhe perguntei como era a guitarra que ele pretendia ter, ao que ele me respondeu que queria “uma guitarra vermelha para tocar rock”.

Eu não entendia nada de guitarras, mas percebi que aquela especificação era muito vaga e que correria o risco de lhe comprar algo que não serviria aos seus anseios e necessidades. Disse a ele então que, além dos aspectos estéticos, procurasse se informar melhor sobre o modelo, a marca, as características técnicas, as funcionalidades que melhor se aplicavam ao tipo de música que ele queria tocar, não só naquele momento, como também nos próximos 5 anos. Recomendei considerar, ainda, a melhor relação custo x benefício, já que estabeleci uma faixa de preço para a nova aquisição.

Meu filho fez a lição de casa. Pesquisou bastante na internet, obteve referências de preços, varreu as avaliações, ponderou os comentários nos chats, avaliou vários modelos dos amigos, foi a lojas experimentar marcas e pesquisar preços e, algumas semanas depois, veio com uma especificação mais assertiva:

Epiphone, modelo Les Paul Traditional Pro, vermelha, corpo em mogno, braço slim D shape, escala em jacarandá, captadores humbuckers Zebra-Coil com coil splitting, tarrachas Grover, com cordas de 0,10 mm.

A mesma coisa acontece em projetos, tanto no que se refere ao produto final do projeto quanto ao que se refere aos itens que precisam ser contratados. Para efeito deste post vamos nos concentrar apenas nos itens de contratação. Por vezes, quando precisamos contratar temos uma especificação muito vaga do que pretendemos receber, sejam materiais, equipamentos ou serviços. Quando isso acontece, o risco de recebermos algo que não nos serve é alto.

Quanto mais conhecemos do produto ou serviço que desejamos contratar, e quanto melhor definimos isso ao mercado fornecedor, maiores as chances de recebermos o que efetivamente queremos. Em linhas gerais, o que chamo de grau de definição expressa quanto conseguimos definir do que pretendemos contratar e pode ser classificado em 3 possibilidades:

SOO – Statement of Objective ou Especificação do Uso*: é uma definição macro, focando no problema a ser resolvido com a contratação ou no uso pretendido do objeto da contratação. Este tipo de especificação abre aos proponentes a possibilidade de oferecer diferentes soluções que atendam ao uso pretendido ou resolvam o problema apresentado.

SOR – Statement of Requirements ou Especificação de Requisitos*: é uma definição de alguns dos atributos do objeto da contratação considerados necessários. Este tipo de especificação permite que os proponentes ofereçam soluções com algumas características diferentes, desde que atendam aos requisitos definidos como necessários.

SOW – Statement of Work ou Especificação Detalhada*: é uma definição detalhada de todos os atributos necessários do objeto da contratação. Este tipo de especificação fecha a solução dos proponentes no atendimento aos atributos definidos de forma detalhada, com pouca margem de variação em atributos não especificados.

* os termos em inglês são genéricos e os termos em português podem variar de acordo com a área de aplicação

Para passarmos de uma especificação SOO para uma SOW geralmente é necessário tempo e trabalho. Muitas vezes é preciso, também, o envolvimento de especialistas no assunto, para transformar necessidades e desejos numa especificação clara, na linguagem do mercado fornecedor, para que seja adequadamente reconhecida e não haja desvios de interpretação.

Acho que frustrei meu filho num primeiro momento, mas ele aprendeu que, para ter o que ele estava imaginando, era preciso especificar adequadamente todos os atributos importantes do objeto que pretendia contratar. Igualmente valioso foi exercitar a visão perspectiva - de ciclo do produto - com algo que atendesse não apenas às suas necessidades e expectativas mais imediatas.

Em tempo: o repertório do caçula evoluiu e, além do rock inicial, passou a incluir ótimos blues e algumas pitadas de jazz e – o melhor – a guitarra vermelha continua sendo a oficial, a mais querida e suficientemente versátil para atender às diversas solicitações. A contratação, porém, teve um aumento de escopo importante, já que além da guitarra era preciso um amplificador. Mas esta é uma outra estória!

Onevair Ferrari, DSc, MSc, PMP é professor, consultor, palestrante, coach em Gerenciamento de Projetos e diretor da Nexor.
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